Emptiness













Fiquei muito tempo sozinho no apartamento e, durante esse período, comecei a ocupar-me com atividades para as quais antes "não tinha tempo". Estudar francês e desenho foram algumas das atividades que fiz. Enquanto me dedicava a ocupar o vácuo criado por uma nova realidade, senti nascer, no isolamento, o desejo de criar artisticamente, produzir algo. Eu sou um artista do movimento e percebia crescer em mim o desejo de andar, caminhar (física e simbolicamente). Atendendo a esse desejo, este projeto começou a tomar forma na minha cabeça, se construindo aos poucos.






Como respostas tendem a demorar um pouco, o desejo de “movimentar-me” falou mais alto: comecei a fotografar mesmo sem o resultado. Arrisquei-me, mas necessitava colocar em prática a ideia. Decidi que, independentemente da aprovação ou não, sabia que algo necessitava ser registrado para quem sabe um dia, ser revelado. E isso, não podia esperar.
Conheci, assim, a cidade por outra perspectiva, com poucas pessoas circulando. Às vezes, deparei-me com ruas completamente vazias. Como artista, era importante vivenciar a cidade de uma forma diferente. Quando comecei a fotografar, notei uma grande diferença, uma tensão que pairava no ar. Não se sabia com o que estávamos lidando e o bombardeio de notícias e informações nos deixaram ainda mais tensos.
Por outro lado, tentei ver o lado bonito e poético de uma cidade atravessada pela angústia. Lugares antes cheios de carros e pessoas agora estavam vazios. O vazio que reconhecia em mim via também em Dublin e em sua "arquitetura de cidade vazia". Ruas e avenidas que nunca dormem e lugares turísticos estavam numa espécie de “suspensão”. O banco do parque outrora com pessoas e vida, agora dava lugar a solidão e ao vazio. Sempre o vazio.
Mas vi também pessoas. Aquelas que não quiseram, não puderam ou nem tiveram a chance de ficar em casa. Que por alguma razão tiveram que deixar a família, suas casas, amigos e, assim, se arriscar fora de casa.
Eu queria mostrar a cidade durante esse tempo sombrio, revelando as poucas pessoas que estavam na rua no início do lockdown, mostrando o que estava diferente nas ruas. Foi quando meu amigo e diretor teatral Ciaran Taylor indicou o prêmio aberto pelo Dublin Arts CouncilI. Em dois dias, coloquei as ideias no papel e, juntos, escrevemos o projeto. Preciso dizer que sem a ajuda dele, creio que eu não teria obtido êxito.


Fotografei durante todas as três fases do lockdown. A primeira quando a cidade não tinha um plano definido e a única recomendação era ficar em casa o máximo possível; a segunda, quando os cidadãos podiam se mover apenas num raio de 2 km; e a terceira, quando o raio aumentou para 5 km.
Hoje, estamos nos adaptando a esse novo normal. Contudo, há quatro meses atrás, eu sentia uma "atmosfera de fim dos tempos”. Olhares apreensivos e de medo, desconfiança, tensão de não se saber o que de fato estava acontecendo, passos apressados, respiração ofegante por trás das máscaras e mãos suadas dentro de luvas nos lembravam que algo invisível aos olhos estava à espreita.






Como resultado desse projeto, não queria somente mostrar a cidade vazia e suas belezas, queria mostrar também as pessoas que estavam na rua, trabalhadores ou não. Eu necessitava preencher o vazio. Quis, assim, que esse projeto tivesse um rosto (vários, aliás), tivesse uma identidade e que pudesse revelar algumas das pessoas que “atravessavam o vazio”. Esse é o propósito desse mosaico de faces.
Falar com pessoas era vital para o meu projeto, pois queria saber não somente o que tinham para contar no momento do registro, mas também estimuladas por um futuro próximo que se apresentava com a seguinte pergunta: qual a primeira coisa que você fará quando tudo isso acabar?
Recentemente, assisti ao TED Talk do Dr. Gary Lewandowski Jr. falando sobre términos de relacionamento. Destaco um trecho de sua fala de que isso se aplica para todas as relações humanas, não só entre casais. Ele diz assim: "Não gostamos de perder coisas. E, especialmente, não gostamos de perder coisas que são importantes para nós. E não se engane, os relacionamentos são a coisa mais importante para você em sua vida. É a fonte de todas as suas melhores lembranças, é a fonte de todas as suas piores lembranças. Quando você pensar na sua vida quando tiver 95 ou 100 anos e olhar para trás, você não vai pensar: 'Gostaria de ter um telefone melhor', 'Gostaria de poder passar mais tempo na internet, ou trabalhando ou dormindo'. Não! Não vai ser nada desse tipo. Será: ‘Gostaria de ter passado mais tempo com as pessoas que amava!”



E foi exatamente assim que vieram as respostas para minha pergunta: "Ver meus amigos", "Ver minha família", "Dar uma festa para meus amigos", “Abraçar minha mãe", "Ter minha liberdade de volta", "Ir à igreja", "Encontrar meus amigos para uma cerveja", "Visitar minha cidade natal", "Viajar", "Poder tocar as pessoas novamente", "Abraços livres"... As pessoas estavam sentindo falta de experiências, de contato, de relações humanas e de amor.

Isso nos faz pensar no futuro. Ou deveria. Descobrimos, neste ano de 2020, que tudo é possível. A qualquer momento podemos entrar em um novo lockdown. A qualquer momento um novo vírus pode surgir. A qualquer momento a vida normal que tínhamos pode mudar completamente. E um novo vazio se instalar.

Talvez esse seja o tempo para repensarmos a nossa vida, nossos relacionamentos, escolhas e prioridades. Porque, no tempo de uma respiração, tudo pode voltar a ser, novamente, um vazio.
















Tempos difíceis.
Temos passado por situações que nem o mais pessimista conseguiria prever: pandemia, quarentenas, fronteiras fechadas, hospitais lotados e crise global.
Quando todo o processo começou, eu estava visitando minha família no Brasil. Durante as três semanas que passei na casa de meus pais, os primeiros efeitos da pandemia me alcançaram: mudei de "trabalhando em um emprego estável" (além de artista, também atuo na área do turismo) para um novo status: "afastamento sem previsão de volta".
Voltei para Dublin aflito, pouco antes das fronteiras serem fechadas. Além disso, o medo do vírus, a insegurança de deixar a família durante a pandemia e o desafio de lidar de forma solitária com a quarentena me deixaram ainda mais angustiado. Dentro de mim, um imenso vazio.

Agredecimentos: The Arts Council, Ciaran Taylor, Sergio de Azevedo, Nayara Meneghelli, Fernando de Marchi, Felipe Scalzaretto, Coline Ganz, Daiane, Rovins Roshan, Anshul Gupta, Matea Grganic, Dawn Russel, Sarah Barret - @thecursingnurse, Luiza, Tadhg, Claire, Monika, Maggie, Catriona, Kate, Yang, Iara, João Vinicius, João Paulo, Amy, Laura and Zlatko
Projeto realizado com o apoio do The Arts Council Covid-19 Crisis Response Award

Projeto realizado com o apoio do The Arts Council Covid-19 Crisis Response Award